Ministério Público Federal e Estadual devem encaminhar recomendação à Norte Energia para que direitos das famílias sejam respeitados
Pequenos produtores rurais e ribeirinhos da região de Altamira, no Pará, denunciaram que funcionários contratados pela Norte Energia, consórcio responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, estariam coagindo as famílias a autorizar a entrada de técnicos em suas propriedades. Segundo as denúncias, feitas no último sábado (16/04) à Comissão de Direitos Humanos do Senado, técnicos da empresa E-labore e da própria Norte Energia incumbidos do levantamento topográfico e de benfeitorias das áreas sob risco de alagamento estariam pressionando as famílias para conseguir que as autorizações para entrada nos imóveis sejam assinadas.
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao Senado cópia das declarações feitas em reunião realizada na Casa da Cultura de Altamira à Comissão de Direitos Humanos, representada pela senadora Marinor Brito. Da reunião participaram cerca de 200 representantes das famílias atingidas, pesquisadores e integrantes de movimentos sociais, além do MPF e do Ministério Público do Estado.
Com base nessas denúncias, o procurador da República Cláudio Terre do Amaral informou que o MPF e o MP do Estado devem encaminhar recomendação conjunta à Norte Energia e à E-labore, para que seja respeitado o direito previsto no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal, que estabelece que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Uma recomendação é uma espécie de notificação. Caso descumprida, o MPF pode levar a questão à Justiça. Representado pela procuradora de Justiça Maria da Graça Azevedo da Silva, o Ministério Público Estadual também colocou-se à disposição dos agricultores familiares. A procuradora orientou as famílias a buscarem a promotoria de Justiça em Altamira e apresentarem suas denúncias aos representantes locais do MP Estadual.
Incerteza na região - A comissão do Senado e as instituições e pesquisadores que acompanharam a diligência passaram toda a manhã de sábado visitando bairros de Altamira que sofrem o risco de alagamento a partir da construção da usina. Durante todo o trajeto e na reunião realizada à tarde na Casa da Cultura, as declarações dos moradores revelavam um sentimento de grande angústia diante da incerteza sobre o destino de suas famílias.
A maioria dos moradores entrevistados pela comissão não sabe se e quando suas áreas serão alagadas, quando serão indenizados, qual o valor da indenização e se há algum local para onde as famílias serão removidas. A preocupação aumenta entre aqueles que tiram o sustento da terra, como os agricultores, ou do Xingu e seus arredores, como pescadores, ribeirinhos e oleiros.
“Nunca ninguém me explicou nada sobre o que vai acontecer”, diz o agricultor familiar José Ramos da Silva, da gleba Bacajaí. “A gente só sabe que a corda sempre quebra onde é mais fraca”, reclama. A esposa dele, Maria Madalena da Silva, concorda: “Fico até sem palavras para explicar uma situação tão complicada”.
“Se esse projeto de Belo Monte fosse um projeto sério, já teria sido construído um povoado para levar as pessoas atingidas para lá”, critica Luiz Gonzaga Rego, que atua com serviços gerais na zona urbana de Altamira. “Queremos mais respeito”, reivindica.
O agricultor Henrique de Souza Gonçalves, que planta cacau na região conhecida como Travessão do 23, também declara-se apreensivo com o destino de sua família. “Uns dizem que a área vai ser alagada, outros dizem que não. Tenho quatro filhos e não sei até quando vou poder continuar lá e nem se terei saúde para abrir um novo plantio em outras terras”, afirma. “Tem noites em que eu não durmo pensando se vão botar minha família em outro lugar ou não e como vai ser isso”.
Moradora da região conhecida como Gaioso, a agricultora familiar Aldice Freitas da Silva relata que os únicos moradores que já receberam indenização foram impedidos pela Norte Energia de divulgar o valor que receberam, o que aumenta o sentimento de dúvida e incerteza das famílias ainda não indenizadas.
As informações que chegam aos moradores são muitas vezes trazidas por vizinhos ou parentes. Nada de dados oficiais que garantam um mínimo de tranquilidade aos moradores. “Temos que ficar assuntando com os amigos para ver se conseguimos ter uma ideia do que vai acontecer, se a alagação vai chegar lá ou não. Sei que um bocado de terra vai para o fundo d'água”, comenta o agricultor Filomeno Pereira, da região conhecida como Itapuama.
“Ou que indenizem ou que removam a gente logo de uma vez. Não queremos é que aconteça aqui o mesmo que aconteceu em Tucuruí, aquele jogo de empurra, onde até hoje as famílias estão esperando uma resposta”, ressalta João Batista dos Santos, agricultor do Acesso Seis.
“Tá todo mundo em vão, perdido, ninguém sabe o que vai acontecer”, diz o carroceiro Osman Antônio Rocha, do bairro Boa Esperança. “Estamos com medo que nos mandem para o mesmo tipo de casebrinho para onde mandaram as famílias de Tucuruí. Dá até nojo aquele casebre de tão ruim que é”.
Incerteza nas áreas científica e jurídica – A palavra incerteza não foi utilizada apenas pelos moradores. Pesquisadores e representantes de órgãos de fiscalização recorreram a ela para descrever o resultado de análises técnicas e jurídicas sobre o processo de licenciamento ambiental da obra.
A pesquisadora Sônia Magalhães, da Associação Brasileira de Antropologia e da Universidade Federal do Pará, apresentou os resultados de análise feita por 40 professores e pesquisadores sobre o estudo e o relatório de impacto ambiental (Eia/Rima) da hidrelétrica. Em resumo, a pesquisa mostrou que o Eia/Rima é incompleto e sequer mostra a abrangência e a gravidade dos impactos a serem causados pela obra.
Além da ameaça de, literalmente, faltar água para a vida no trecho do Xingu conhecido como Volta Grande, na análise dos documentos do licenciamento fica evidente outra dúvida científica igualmente grave, quanto à qualidade da água no trecho do rio que vai ser transformado em lago. Os especialistas apontam que não há dados suficientes para garantir como estará a qualidade da água depois da construção, por haver evidências de toxicidade para peixes e humanos.
Sônia Magalhães ressaltou que, embora a maioria dos dirigentes de municípios da região do Xingu acredite que receberá parte dos R$ 500 milhões previstos para incentivar o desenvolvimento regional, esses recursos só serão destinados a Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo e Anapu. Outra decisão importante que a pesquisadora fez questão de enfatizar é que a empresa Norte Energia não terá que fazer investimentos na área da saúde, que ficou totalmente sob a responsabilidade do poder público.
À Comissão de Direitos Humanos do Senado, médicos do hospital municipal São Rafael, de Altamira, disseram que este ano o número de atendimentos já dobrou em relação à media do ano passado. Também em depoimento, representantes do Conselho Tutelar de Altamira disseram que estão enfrentando diversos casos de mães que não encontram escolas para matricular os filhos e de trabalhadores que não conseguiram emprego na obra da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, e que agora tentam a sorte em Altamira.
Segundo Sônia Magalhães, além do desmatamento dos 668 quilômetros quadrados da área do lago da usina, a obra deve provocar a derrubada de 800 a 5 mil quilômetros quadrados de mata. “O Eia/Rima é de uma simplicidade surpreendente”, critica a pesquisadora.
Para o procurador da República Cláudio Terre do Amaral, se há tantas incertezas em relação à obra e ela continua sendo levada adiante mesmo assim é porque o princípio jurídico da precaução não está sendo respeitado. “Todas essas críticas apresentadas pelo painel de especialistas foram confirmadas pelos técnicos do MPF”, ressaltou.
A advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Roberta Amanajás, classificou de “imatura” a resposta do governo brasileiro à Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o caso Belo Monte. No início deste mês, o Ministério de Relações Exteriores divulgou nota colocando como "precipitadas e injustificáveis" as providências solicitadas pela OEA para que os direitos dos indígenas impactados pela obra sejam garantidos.
“Recomendações semelhantes enviadas pela OEA a diversos outros países foram cumpridas. Só o Brasil que parece querer um tratamento privilegiado”, disse a advogada.
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Pequenos produtores rurais e ribeirinhos da região de Altamira, no Pará, denunciaram que funcionários contratados pela Norte Energia, consórcio responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, estariam coagindo as famílias a autorizar a entrada de técnicos em suas propriedades. Segundo as denúncias, feitas no último sábado (16/04) à Comissão de Direitos Humanos do Senado, técnicos da empresa E-labore e da própria Norte Energia incumbidos do levantamento topográfico e de benfeitorias das áreas sob risco de alagamento estariam pressionando as famílias para conseguir que as autorizações para entrada nos imóveis sejam assinadas.
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao Senado cópia das declarações feitas em reunião realizada na Casa da Cultura de Altamira à Comissão de Direitos Humanos, representada pela senadora Marinor Brito. Da reunião participaram cerca de 200 representantes das famílias atingidas, pesquisadores e integrantes de movimentos sociais, além do MPF e do Ministério Público do Estado.
Com base nessas denúncias, o procurador da República Cláudio Terre do Amaral informou que o MPF e o MP do Estado devem encaminhar recomendação conjunta à Norte Energia e à E-labore, para que seja respeitado o direito previsto no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal, que estabelece que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Uma recomendação é uma espécie de notificação. Caso descumprida, o MPF pode levar a questão à Justiça. Representado pela procuradora de Justiça Maria da Graça Azevedo da Silva, o Ministério Público Estadual também colocou-se à disposição dos agricultores familiares. A procuradora orientou as famílias a buscarem a promotoria de Justiça em Altamira e apresentarem suas denúncias aos representantes locais do MP Estadual.
Incerteza na região - A comissão do Senado e as instituições e pesquisadores que acompanharam a diligência passaram toda a manhã de sábado visitando bairros de Altamira que sofrem o risco de alagamento a partir da construção da usina. Durante todo o trajeto e na reunião realizada à tarde na Casa da Cultura, as declarações dos moradores revelavam um sentimento de grande angústia diante da incerteza sobre o destino de suas famílias.
A maioria dos moradores entrevistados pela comissão não sabe se e quando suas áreas serão alagadas, quando serão indenizados, qual o valor da indenização e se há algum local para onde as famílias serão removidas. A preocupação aumenta entre aqueles que tiram o sustento da terra, como os agricultores, ou do Xingu e seus arredores, como pescadores, ribeirinhos e oleiros.
“Nunca ninguém me explicou nada sobre o que vai acontecer”, diz o agricultor familiar José Ramos da Silva, da gleba Bacajaí. “A gente só sabe que a corda sempre quebra onde é mais fraca”, reclama. A esposa dele, Maria Madalena da Silva, concorda: “Fico até sem palavras para explicar uma situação tão complicada”.
“Se esse projeto de Belo Monte fosse um projeto sério, já teria sido construído um povoado para levar as pessoas atingidas para lá”, critica Luiz Gonzaga Rego, que atua com serviços gerais na zona urbana de Altamira. “Queremos mais respeito”, reivindica.
O agricultor Henrique de Souza Gonçalves, que planta cacau na região conhecida como Travessão do 23, também declara-se apreensivo com o destino de sua família. “Uns dizem que a área vai ser alagada, outros dizem que não. Tenho quatro filhos e não sei até quando vou poder continuar lá e nem se terei saúde para abrir um novo plantio em outras terras”, afirma. “Tem noites em que eu não durmo pensando se vão botar minha família em outro lugar ou não e como vai ser isso”.
Moradora da região conhecida como Gaioso, a agricultora familiar Aldice Freitas da Silva relata que os únicos moradores que já receberam indenização foram impedidos pela Norte Energia de divulgar o valor que receberam, o que aumenta o sentimento de dúvida e incerteza das famílias ainda não indenizadas.
As informações que chegam aos moradores são muitas vezes trazidas por vizinhos ou parentes. Nada de dados oficiais que garantam um mínimo de tranquilidade aos moradores. “Temos que ficar assuntando com os amigos para ver se conseguimos ter uma ideia do que vai acontecer, se a alagação vai chegar lá ou não. Sei que um bocado de terra vai para o fundo d'água”, comenta o agricultor Filomeno Pereira, da região conhecida como Itapuama.
“Ou que indenizem ou que removam a gente logo de uma vez. Não queremos é que aconteça aqui o mesmo que aconteceu em Tucuruí, aquele jogo de empurra, onde até hoje as famílias estão esperando uma resposta”, ressalta João Batista dos Santos, agricultor do Acesso Seis.
“Tá todo mundo em vão, perdido, ninguém sabe o que vai acontecer”, diz o carroceiro Osman Antônio Rocha, do bairro Boa Esperança. “Estamos com medo que nos mandem para o mesmo tipo de casebrinho para onde mandaram as famílias de Tucuruí. Dá até nojo aquele casebre de tão ruim que é”.
Incerteza nas áreas científica e jurídica – A palavra incerteza não foi utilizada apenas pelos moradores. Pesquisadores e representantes de órgãos de fiscalização recorreram a ela para descrever o resultado de análises técnicas e jurídicas sobre o processo de licenciamento ambiental da obra.
A pesquisadora Sônia Magalhães, da Associação Brasileira de Antropologia e da Universidade Federal do Pará, apresentou os resultados de análise feita por 40 professores e pesquisadores sobre o estudo e o relatório de impacto ambiental (Eia/Rima) da hidrelétrica. Em resumo, a pesquisa mostrou que o Eia/Rima é incompleto e sequer mostra a abrangência e a gravidade dos impactos a serem causados pela obra.
Além da ameaça de, literalmente, faltar água para a vida no trecho do Xingu conhecido como Volta Grande, na análise dos documentos do licenciamento fica evidente outra dúvida científica igualmente grave, quanto à qualidade da água no trecho do rio que vai ser transformado em lago. Os especialistas apontam que não há dados suficientes para garantir como estará a qualidade da água depois da construção, por haver evidências de toxicidade para peixes e humanos.
Sônia Magalhães ressaltou que, embora a maioria dos dirigentes de municípios da região do Xingu acredite que receberá parte dos R$ 500 milhões previstos para incentivar o desenvolvimento regional, esses recursos só serão destinados a Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo e Anapu. Outra decisão importante que a pesquisadora fez questão de enfatizar é que a empresa Norte Energia não terá que fazer investimentos na área da saúde, que ficou totalmente sob a responsabilidade do poder público.
À Comissão de Direitos Humanos do Senado, médicos do hospital municipal São Rafael, de Altamira, disseram que este ano o número de atendimentos já dobrou em relação à media do ano passado. Também em depoimento, representantes do Conselho Tutelar de Altamira disseram que estão enfrentando diversos casos de mães que não encontram escolas para matricular os filhos e de trabalhadores que não conseguiram emprego na obra da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, e que agora tentam a sorte em Altamira.
Segundo Sônia Magalhães, além do desmatamento dos 668 quilômetros quadrados da área do lago da usina, a obra deve provocar a derrubada de 800 a 5 mil quilômetros quadrados de mata. “O Eia/Rima é de uma simplicidade surpreendente”, critica a pesquisadora.
Para o procurador da República Cláudio Terre do Amaral, se há tantas incertezas em relação à obra e ela continua sendo levada adiante mesmo assim é porque o princípio jurídico da precaução não está sendo respeitado. “Todas essas críticas apresentadas pelo painel de especialistas foram confirmadas pelos técnicos do MPF”, ressaltou.
A advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Roberta Amanajás, classificou de “imatura” a resposta do governo brasileiro à Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o caso Belo Monte. No início deste mês, o Ministério de Relações Exteriores divulgou nota colocando como "precipitadas e injustificáveis" as providências solicitadas pela OEA para que os direitos dos indígenas impactados pela obra sejam garantidos.
“Recomendações semelhantes enviadas pela OEA a diversos outros países foram cumpridas. Só o Brasil que parece querer um tratamento privilegiado”, disse a advogada.
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Fonte: MPF-PA
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